domingo, 17 de junho de 2007

O Cavalo Crioulo no Freio de Ouro: chileno puro ou cruzado?

(Artigo publicado no Jornal do Cavalo Crioulo em dezembro de 2005)

Antes de começar, uma palavra sobre o trabalho estatístico que estou apresentando neste espaço todos os meses. O objetivo principal da estatística é estudar o comportamento de um fenômeno qualquer e perceber se ele apresenta um padrão. Nestes estudos, eu analiso uma amostra retirada de edições do evento Freio de Ouro, verifico se há um padrão de comportamento e o apresento a você, leitor do Jornal Cavalo Crioulo. Evidentemente, eu também faço interpretações dos resultados. Mas é preciso dizer que, neste espaço, não estou preocupado em apresentar previsões, ou indicar os procedimentos mais adequados à criação de cavalos crioulos para a competição Freio de Ouro. Essa é uma tarefa que extrapola o meu propósito com estes textos. Assim, todos os resultados apresentados estão circunscritos à amostra dos dados analisados. O que eu espero (e acredito) é que as amostras utilizadas revelem a verdade sobre os fatos; é importante que se considere, todavia, que estatística é estimativa e, por isso, sempre possui uma margem de erro (neste caso de 5%).

CHILENO PURO OU CRUZADO?

Duma feita, perguntei ao Jango Salgado qual era, na opinião dele, o melhor crioulo para competições do tipo Freio de Ouro: o chileno puro ou o cruzado? Ele me respondeu com sua segurança e objetividade habituais que certamente era o chileno cruzado. Vindo de quem vinha, essa era mais que uma simples opinião.

Este estudo toma como motivação esse ponto de vista de Jango Salgado; e vou buscar na estatística, argumentos que o confirmem ou refutem. Mas desejo saber também: (a) como tem sido o desempenho de chilenos puros em Esteio? (b) qual é a concentração de sangue chileno, argentino e rio-grandense média? (c) existe uma composição sangüínea ideal? (d) em quais provas cada tipo de crioulo tem mais destaque?

Vou analisar estas questões abordando os dados de duas formas. Na primeira delas, vou comparar a concentração de sangues chileno, argentino e rio-grandense (vou chamar de crioulo rio-grandense o animal de origem brasileira e uruguaia) com as colocações obtidas pelos cavalos nas edições do Freio aqui estudadas. Também abordarei os dados, comparando as taxas de sangue com as notas obtidas nas provas de sábado e domingo em Esteio.

O universo de dados com que vou trabalhar são 184 quintas gerações de finalistas dos Freios de Ouro de 2000, 2003 e 2005. Minha intenção é estabelecer as frações de sangue médias e os parâmetros para a análise de outra amostra que vou utilizar: a quinta geração dos 66 animais premiados com ouro, prata e bronze desde o Freio de 1995 até o de 2005. Ao todo, portanto, será analisada a 5ª geração de 250 animais.

A composição média de sangue dos finalistas do Freio de Ouro 2000, 2003 e 2005 foi de 51% de sangue chileno, 20% argentino e 29% rio-grandense (brasileiro ou uruguaio). Já a composição média de sangue premiado nos Freios de Ouro de 1995 a 2005 foi de 55% de sangue chileno, 20% argentino e 25% rio-grandense. Essas composições de sangue servirão de parâmetro para a análise que segue. É preciso dizer, também, que não havia nenhum finalista que não tivesse sangue chileno e nem sequer havia cavalos com mais de ¾ de sangue argentino ou rio-grandense.

O DESEMPENHO DOS CHILENOS PUROS NO FREIO DE OURO

A tendência geral observada é que quanto maior a concentração de sangue chileno melhor a colocação. Este cálculo foi baseado nas médias de colocação dos animais classificados para as finais dos Freios de 2000, 2003 e 2005. Entretanto, quando realizamos rodadas estatísticas, percebemos que o crioulo chileno puro não é escolhido como relevante, sequer nos casos em que os dados de animais com alta concentração de sangue chileno (acima de 13/16) são juntados aos puros. Ademais, devemos considerar que, nesses anos, foram onze os animais chilenos puros que estiveram na final (6 %), dentre os 186 animais analisados e apenas dois foram premiados (1 %). De 1995 até 2005, apenas cinco chegaram entre os três primeiros (8 % dos 66 analisados): nenhum ganhou o Freio de Ouro; ‘Baliza da Cabanha Gaúcha’ (2000), ‘Descoberta do Itapororó’ (2002) e ‘Seresteiro da Tradição’ (2004) ganharam Prata; ‘Pólvora de Sta Edwiges’ (1998), ‘Comunista da Boa Vista’ (2002) e, novamente, ‘Descoberta do Itapororó’ (2003) ficaram com Bronze.

Além disso, animais com alta concentração de sangue chileno (acima de 13/16) ou puros receberam notas morfológicas ligeiramente mais baixas do que os cruzados com sangue argentino. Os chilenos puros têm, também, desempenho apenas mediano nas provas de domingo. Mas eles obtiveram as melhores médias (e bastante à frente dos híbridos) nas provas ‘andadura’, ‘figura’ e ‘esbarrada/volta sobre pata’. Isso parece demonstrar que uma competição como o Freio de Ouro, pela sua duração e quantidade de provas, seja bastante mais exigente em termos de resistência do que o Rodeo chileno. Demonstra, ao mesmo tempo, que é um grande indício de que a tese de Jango Salgado esteja correta.

CONCENTRAÇÃO MÉDIA DE SANGUE

Como o demonstra a Tabela 1, a concentração de sangue chileno mais freqüente nos cavalos que disputaram as finais dos freios de ouro aqui analisadas estão entre 3/8 e 6/8 de sangue (74% dos animais). A maior parte dos animais (86%) tem pouco sangue argentino (até ¼) e entre 2/8 e 4/8 de sangue rio-grandense estão 134 animais (72%).

Tabela 1 – Composição sangüínea média dos crioulos que foram finalistas do Freio de Ouro em 2000, 2003 e 2005


Chileno

Argentino

Rio-grandense

Sem sangue

0


62

33%

32

17%

até ¼

16

9%

99

53%

70

38%

de ¼ a ½

74

40%

17

9%

64

34%

de ½ a ¾

69

37%

8

4%

20

11%

Entre ¾ e Puro

15

8%

0


0


Puro sangue

12

6%

0


0


Totais

186

186

186

Com relação aos 66 animais que chegaram entre os três primeiros colocados nos freios de 1995 a2005, a situação não é muito diferente. Entretanto, observamos um ligeiro incremento nas taxas de sangues chileno e argentino (Tabela 2).

Tabela 1 – Composição sangüínea média dos crioulos que foram finalistas do Freio de Ouro em 2000, 2003 e 2005


Chileno

Argentino

Rio-grandense

Sem sangue

0


62

33%

32

17%

até ¼

16

9%

99

53%

70

38%

de ¼ a ½

74

40%

17

9%

64

34%

de ½ a ¾

69

37%

8

4%

20

11%

Entre ¾ e Puro

15

8%

0


0


Puro sangue

12

6%

0


0


Totais

186

186

186

AS MISTURAS MAIS FREQÜENTES

Deve ficar bem claro que eu não acredito que apenas a composição sangüínea de um animal seja suficiente para se vencer um Freio de Ouro. Como já tive oportunidade de dizer em texto anterior, o resultado é mais (muito mais) fruto de trabalho, manejo adequado, alimentação balanceada, dedicação, acerto de decisões e quantidade de dinheiro investido. Sangue chileno não é tudo: ‘JA Xalalá’ (ouro, 2005) e ‘Butiá Guarani’ (4º em 2000, no ano do Freio de Ouro mais disputado) tinham apenas 2/8 de sangue chileno. Mas é inegável que quem quiser concorrer com um animal sem sangue chileno terá chances remotas de vencer, ainda que haja linhagens argentinas (Tañido Redoblado e Compadrón Charque, por exemplo) e rio-grandenses (Sorro Campeiro e Jalisco, entre outros) muitíssimo funcionais.

Se considerarmos a média geral mencionada acima (55% chileno, 20% argentino, 25% rio-grandense), encontraremos na amostra apenas quatro animais, mas todos animais de destaque na raça: ‘Gago de Santa Angélica’ (Prata, 2003), Mascavo do Purunã’ (4º em 2005), ‘Butiá Olodum’ (quatro vezes finalista do Freio) e ‘RZ Ilia da Carapuça’. Contudo, as melhores concentrações de sangue escolhidas na análise estatística computadorizada foram, pela ordem:

a) 5/8 de sangue chileno, 1/8 de sangue argentino e 2/8 de sangue rio-grandense. São expoentes desta mistura: ‘Imperatriz 06 do Maufer’ (Prata, 1995); ‘Debochado do Quartel Mestre’ (ouro em 1996 e prata em 2000) e ‘Jotace Barbela’ (Bronze, 1996). Além destes, destacam-se ‘Butiá Kadet’, ‘Jaúna do Manantial’ e ‘TT Joalheiro’.

b) 1/2 sangue chileno e 1/2 sangue argentino. Todos os animais com essa concentração de sangue são do criatório Santa Edwiges. Foram premiados com: OURO: ‘JA Paloma’ (1996), ‘Punhalada’ (1998) e ‘Reservada’ (2000); PRATA: ‘Nuvem’ (1996) e ‘Quero Quero’ (1998); BRONZE: ‘Orquestra’ (1997). E, além destes, em 2000, ‘Rodopio’ e ‘Sortuda’, outros dois animais destacados.

NOTA: esta concentração de sangue argentino é advinda em grande parte do garanhão ‘Tañido Redoblado’: ‘Nuvem’, ‘Punhalada’, ‘Quero Quero’, ‘Reservada’ e ‘Rodopio’ são seus filhos e ‘Sortuda’, sua neta. Deste modo, falta ortogonalidade à análise, isto é, não sabemos se é o sangue argentino ou ‘Redoblado’ o que mais influenciou para a obtenção do destaque na análise.

c) 5/8 de sangue chileno e 3/8 de sangue rio-grandense. Esta é a composição de dois dos melhores cavalos que a raça crioula já produziu: BT Butiá (Bronze em 1995) e LS Balaqueiro (Ouro em 2004, Prata em 2001 e 4º Lugar em 2003). Além deles, Butiá Latino (5º em 2003), Artilheiro Tupambaé, BT Languedoc, Netuno do Purunã, e mais outros sete animais da amostra.

O PAPEL DE CADA SANGUE

Com base nas análises estatísticas realizadas para este estudo foi possível constatar que cada uma das três etnias de crioulos aporta com qualidades e limitações.

O sangue chileno melhora o desempenho nas provas em que, segundo Gilberto Loureiro de Souza (Anuário ABCCC, 2004, p. 337) se exige impulsão, velocidade e equilíbrio. Pelas análises realizadas, posso afirmar com muita segurança que quanto maior foi a taxa de sangue chileno, melhor foi o desempenho médio do animal nas provas de sábado, mas pior o desempenho nas provas de domingo. Sem considerar se a mistura é com cavalo de sangue argentino ou rio-grandense, a taxa média mais adequada parece ser entre ½ e ¾ de sangue chileno.

O sangue argentino melhora a nota na prova de morfologia. Além disso, foi possível observar que quanto maior a taxa de sangue argentino, melhor o desempenho nas provas de domingo (em que pese o efeito ‘Redoblado’). Assim, as principais qualidades do sangue argentino para uma competição como a do Freio de Ouro é beleza, resistência e submissão aos comandos. Ao que parece, a principal limitação do cavalo tipo argentino é alguma falta de regularidade, sobretudo nos animais ½ sangue ou mais.

O sangue rio-grandense melhora o desempenho médio em todas as provas de domingo, provavelmente por agregar resistência, força, atitude e coragem. Mas piora a nota morfológica. A principal contribuição do crioulo rio-grandense foi dar regularidade ao desempenho dos competidores com seu sangue; assim, quanto mais sangue rio-grandense, mais agrupados os resultados médios.

Conclui-se, disso tudo que foi dito, que o cavalo mais próximo do ideal para o Freio de Ouro é seguramente o híbrido: chileno + rio-grandense ou chileno + argentino ou chileno + rio-grandense + argentino.

Na próxima edição, curiosidades sobre o Freio: as pelagens mais vitoriosas, melhor signo do zodíaco, box que dá mais sorte.

Agradecimento, pela leitura crítica, a
Mariano Lemanski (Cabanha São Rafael)
Edilon Almeida (Cabanha do Campestre)
Beatriz Pereira (Cabanha Primorosa)

Prof. Dr. Luís Centeno do Amaral

centenoamaral@gmail.com

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